BRIGA COM O PAI, CHORO E MUDANÇA: O CAMINHO DE JOVEM DO BOLICHE ATÉ O PAN
Promessa brasileira na modalidade não queria se mudar para os EUA, onde se firmou no esporte e treina para defender o país na competição em Guadalajara
Por João Gabriel Rodrigues – Globo Esporte – São Paulo
No início, a raiva; hoje, a mudança. Em um esporte encarado como diversão no Brasil, Stephanie Martins não pensava no boliche como uma carreira.
Ao ser descoberta por um olheiro de uma universidade americana, durante um Sul-Americano, não quis saber. Sofreu pressão da família e, depois de conversar com amigos, decidiu, a contragosto, tentar a sorte nos Estados Unidos. Aos 20 anos, a atleta não mostra arrependimento. Lá fora, passou a se dedicar mais à modalidade e foi escolhida para representar o país nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, no México, em outubro.
Os pais de Stephanie costumavam jogar boliche no Pinheiros, que representa hoje em competições nacionais. Como era pequena, não podia jogar nas pistas do clube, então ganhou gosto pela modalidade ao jogar fora dali. Começou como uma brincadeira, mas logo passou a levar mais a sério e a representar o país em competições internacionais.
– Eu estava jogando Sul-Americano juvenil, em 2008, na Argentina. O técnico americano estava treinando no mesmo lugar que eu treinava e foi falar com meu amigo Marcelo (Suartz, também da seleção). Perguntou se eu queria jogar lá fora, queria conversar com meu pai – disse, em entrevista por telefone.
A resposta imediata de Stephanie foi não. Tinha medo de deixar os amigos e embarcar para um país onde sequer conhecia o idioma. E sobrou para o pai.
– Foi bem difícil de aceitar. Voltei para o Rio e fiquei uma semana sem falar com meu pai. Na minha cabeça, ele estava me expulsando de casa. Mas comecei a conversar com meus amigos. Eles sempre me dão um suporte muito grande. E fiquei com isso. Vou para os EUA, não vou ter amigos, minha vida vai mudar. Eu sofri muito com isso.
A mudança para os EUA realmente não foi dos mais fáceis. Estudou inglês no primeiro semestre de 2009, antes de entrar na Webber International University, na Flórida. Aos poucos, no entanto, foi conhecendo outros atletas, além de brasileiros do mesmo campus. Ainda assim, não escapou das brincadeiras dos outros alunos.
– Quando estava na escola, tinha muito preconceito. Quando eu faltava uma semana, todo mundo se espantava quando eu dizia que era por causa do boliche. “Mas é só pegar a bola e jogar”. Eu sempre soube que era uma coisa que eu gostava de fazer. Mas até hoje tem um povo que tem preconceito, até americano. Aqui, é um esporte muito praticado. Não tanto quanto o futebol americano, e por isso ainda ouço algumas brincadeiras.
Hoje, no entanto, Stephanie já pensa em ficar. Com mais dois anos de curso de administração pela frente, quer fazer um MBA antes de decidir se fica de vez no país.
– Ainda penso muito nisso. Tenho dois anos de faculdade pela frente, quero fazer um MBA. A principio, fico mais quatro anos. Depois, não sei. Não sei se volto e largo o boliche. Eu penso em ser profissional aqui, disputar campeonatos e ganhar dinheiro. É um país que, mesmo para o pessoal que trabalha, tem como praticar o esporte. Tenho que ver se quero fazer. Ninguém vive do boliche, mas aqui eu poderia continuar jogando mesmo trabalhando com outra coisa. No Brasil, não.
Hoje, o pensamento está em Guadalajara. Apesar de já ter no currículo algumas competições pelo Brasil, a possibilidade de defender o país em um Pan anima Stephanie.
– Já passei por Mundiais. Mas agora vou representar o Brasil na maior competição que o esporte tem. O Mundial não é tão grande. O Pan é “o“ torneio para o boliche. Eu tenho treinado, fazendo um trabalho físico também. Se não tiver físico, você não joga. Boliche também cansa.
Em Guadalajara, Stephanie já sabe de cor suas principais rivais. Embora reconheça o favoritismo das americanas, diz que, se estiver em um dia bom, pode surpreender.
– As americanas são profissionais. Mas talvez a minha adversária esteja com uma dor de cabeça no dia e eu acabo jogando melhor do que ela. Depende de cada um. Eu acho que o maior rival são os EUA. Quem eu conheço dos outros países, já joguei varias vezes. Então, temos chances.
No Pan, o Brasil vai levar outros três jogadores na equipe. Além de Stephanie, o carioca Márcio Vieira, o paulista Marcelo Suartz e a paranaense Marizete Scleer vão representar o país em Guadalajara.