O largo da Bola

de Tita Ancona Lopez

Quando chegou não reconheceu a paisagem que o avô ajudara a formar em sua mente desde a infância.

Então este era o Largo da Bola? Era ali que seu bisavô jogava “bola às quilhas”, o avô brincava, a família passeava?

Ainda existiria a lojinha do “seu” Adolfo?

– Por favor, aonde é a lojinha do seu Adolfo?
– Lojinha do seu Adolfo? Sei não moça, acho que não tem!
– Ah, não é este o Largo da Bola?
– Que bola, dona? Aqui é o Largo Treze de Maio.
– E aonde seria o Largo da Bola?
– Senhora, por favor, aonde é o Largo da Bola?
– Senhor, aonde é o Largo da Bola?
– Moço, aonde é o Largo da Bola?

Até que um senhor se achegou:
– Filha, aqui, onde você está, era o Largo da Bola mas desde a assinatura da lei Áurea, em 13 de maio de 1888, chama-se Largo 13 de maio!
– Mas então não há mais jogo de “bola às quilhas”…
Nem a lojinha do senhor Adolfo? (Então seu bisavô nunca soubera da mudança de nome, nem mesmo seu avô?)
– Claro que não minha filha. Pense quantos anos se passaram!!!

Temos a Rua Adolfo Pinheiro, esta você pode conhecer, deve até ter passado por ela. O nome é em homenagem ao senhor Adolfo, esse da lojinha que nem você e nem eu jamais teríamos conhecido! E você não sabe que o jogo de “bola às quilhas” hoje é chamado de “boliche”? De onde você vem?
– Eu venho do interior, fazenda retirada. Primeira vez em São Paulo, presente dos meus netos. Eu sonhava conhecer aonde meu bisavô vivera, imaginava encontrar a praça que meu avô contava… O senhor tem razão, São Paulo tão grande, como é que tudo continuaria como antes? O senhor tem razão, mas que boba eu.
– Boba não, a gente sonha. Tem na vida melhor do que sonhar? Vamos nos sentar aqui neste banco e podemos imaginar seu bisavô jogando “bola às quilhas”.
– Não consigo com toda essa gente passando! Nunca vi tanta gente num mesmo lugar!

Ele riu.

– Pois você não viu nada! Experimente vir aqui em um sábado.
– Eu heim? E agora?
– E agora o que?
– E agora o que é que eu vou fazer aqui em São Paulo? Vim só pensando em conhecer o Largo da Bola.
– Bom, o Largo da Bola você já conheceu. Ele só mudou de nome, como o jogo mudou de nome, como muitos nomes mudam.

Ela fitou o chão.

– Já sei! Vamos jogar boliche nós dois? Conheço um lugar ótimo.
– Mas nem conheço o senhor, nem fica bem.
– O que não fica bem no meio deste emaranhado de gente quando não se conhece ninguém?

Ela pensou: e não é que ele tem razão?

– Mas só vou se for de táxi. No seu carro não entro não.
– Muito bem, vamos de táxi.

Mas tarde, com a bola pesada na mão, ela vibrou como nunca: pulava, batia palmas, nem se lembrava de que já não era tão jovem.

Ele ria, adorando a companhia. Até que enfim alguém para quem ele poderia contar muitas novidades, mostrar o São Paulo imenso que ela não conhecia.

Fitou-a com os olhinhos doces.

Ela corou e, jogando a bola com força, pensou: eita vô! Olha só no que deu o seu Largo da Bola!

E riu, alegre, sentindo-se jovem como nunca.

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Tita Ancona Lopez (tita.ancona@gmail.com) é escritora e alguns de seus textos podem ser vistos no blogo http://cristinaanconalopez.blogspot.com


2 thoughts on “UMA CRÔNICA PAULISTA

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