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25/11/06 - JORNAL "O GLOBO"


Boliche leva Pan do Rio ao shopping

Modalidade quer provar no evento que é muito mais do que simples diversão

Por Ary Cunha

Os insistentes convites de um casal de amigos levaram Márcio e Lúcia Vieira, ainda em clima de lua-de-mel, ao extinto "Meu Boliche", em São Conrado. Quase três décadas depois, os laços matrimoniais resistem firmes aos strikes da vida. Mas o que era diversão de fim de semana virou esporte, obsessão e meio de sustento. Márcio, de 53 anos, é sócio de uma pista na Zona Oeste e um dos oito integrantes - quatro no feminino, quatro no masculino - da seleção brasileira de boliche que vai representar o Brasil nos Jogos Pan-Americanos de 2007. Lúcia é uma das treinadoras do Brasil.

- Normalmente, a roupa suja do boliche a gente lava em casa. A questão é não lavar a roupa suja de casa na pista. Aí, atrapalha - brinca Lúcia, que já disputou, como atleta, dois Jogos Pan-Americanos (Mar del Plata, em 95, e Winnipeg, 99), ao lado do marido.

Embora o boliche já faça parte do programa desde os Jogos de Havana, em 1991, ainda causa surpresa em muita gente vê-lo na lista de modalidades. Nas poucas pistas restantes da cidade - as duas principais na Barra da Tijuca -, a maior parte do público é feita de crianças, jovens e adultos que se reúnem para uma rodada de diversão e boas gargalhadas. Testar as habilidades derrubando pinos com as bolas coloridas está longe de ser coisa séria. Nada que incomode os que tentam o ouro para o país anfitrião. Afinal, assim como Lúcia e Márcio, normalmente atleta de boliche conhece primeiro o lado lúdico do esporte.

- As pessoas normalmente perguntam torcendo o nariz: "Boliche?" Ninguém imagina que nós temos rankings, viajamos, treinamos e disputamos competições. Acham que é pura brincadeira - explica Roberta Rodrigues, recém-promovida à seleção brasileira adulta.

Por do boliche, o Pan vai ao shopping. É a única modalidade disputada dentro de um centro comercial. Por ora, o palco será o Barra Bowling, no Barrashopping, Mas existe a possibilidade de a competição ser transferida para outra pista mais ampla e moderna, a ser inaugurada mês que vem no Norteshopping, perto do Estádio Olímpico João Havelange. O boliche por pouco não fica fora neste Pan.

- O Boliche só não foi excluído do programa porque assinei um compromisso de que não haveria qualquer custo para o Comitê Olímpico Brasileiro - afirma Carlos Eduardo Cruz, diretor-técnico da Confederação Brasileira de Boliche e sócio da pista na qual serão disputadas as provas do Pan.

O custo não é baixo para quem decide se dedicar a um esporte praticado dentro de enormes templos de consumo. Apenas quando chegam à seleção é que os atletas conseguem isenção de pagamento para treinos. Uma realidade bem diferente de forças como Estados Unidos e Colômbia, que têm ligas profissionais. Na Venezuela, existe até pista pública para treinos.

- É uma atividade com um custo alto. Você tem de treinar sempre e uma partida, com dez frames, custa entre R$ 35 e R$ 56. Entre outras coisas, você precisa ter suas próprias bolas furadas sob medida. Jogar com qualquer bola é como entrar de sapatilha no Maracanã. Derrota certa - brinca Márcio Vieira.

Quando o bolso pesa mais do que a idade

Embora tenha um perfil elitista por conta dos altos custos com treinos, o boliche tem a vantagem de ser praticado por diferentes gerações. Roberta, de 17 anos, se preparou para os Jogos Sul-Americanos, em Buenos Aires, ao lado de Márcio, de 53, e conseguiu o bronze. O que não significa que a idade não pese na hora de dar o efeito correto na bola.

- Em 2001, lesionei o último disco da coluna depois de dar um mal jeito nas costas ao lançar a bola. Até hoje faço RPG e jogo de cinta - diz Márcio.

Instrutor de boliche, o carioca Juliano Oliveira, de 28 anos, não abre mão da preparação física, com exercícios aeróbicos, de musculação e alongamento. Já houve caso de atleta que procurou o auxílio de psicóloga para não hesitar na hora de decidir uma partida. Num esporte em que os duelos individuais acontecem numa pista dividida com seu oponente e arremessos alternados, concentração e sangue frio são fundamentais.

- No boliche, é o atleta com os pinos. Se não tiver muita concentração, perde para si próprio - explica Juliano.

O fator campo divide opiniões. Há quem veja o fato de o Brasil ser anfitrião como vantagem ou obstáculo a mais.

- A pressão de jogar em casa às vezes atrapalha - admite Márcio.

- Adoro jogar em casa. A força das pessoas ajuda muito - afirma Juliano.

Pan no Rio não é brincadeira.

Foto (de Alexandre Cassiano, O Globo):

Roberta Rodrigues e Márcio Vieira, ambos da seleção brasileira de boliche que vai disputar o Pan, posam com pinos e bolas coloridas na pista do Casashopping: esporte une gerações mas preços afastam novos praticantes.

Foto (de Alexandre Cassiano, O Globo):

 Juliano Oliveira se exercita na pista do Barrashopping, onde devem ser realizadas as provas de boliche nos Jogos Pan-americanos do Rio: o atleta carioca, de 28 anos, conta com o apoio da torcida na luta por uma medalha.

Fac Simile da reportagem original, publicada no Jornal O Globo, edição 25/11/06

Fac Simile da capa original do caderno especial sobre o Pan 2007
publicado no Jornal O Globo, edição 25/11/06

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