Esporte
Os
jogos da ilusão
Desorganizado
e sem os
melhores atletas dos EUA, o Pan-Americano é um sonho verde-amarelo
por
André Fontenelle
A
cada quatro anos, o Brasil vive o entusiasmo de ser uma potência
olímpica. Só que a festa não coincide com as Olimpíadas, mas, sim, com
os Jogos Pan-Americanos, uma disputa que a cada edição caminha mais
francamente para se tornar um evento de segunda classe.
Neste ano, os jogos acontecem em agosto, em Santo Domingo, na República
Dominicana – se o endividado país conseguir concluir as obras de pistas,
estádios e alojamentos. A um mês das disputas, já é quase certo que
algumas modalidades terão provas canceladas, por falta de instalações
adequadas. Os móveis da vila que hospedará os atletas ainda estão sendo
entregues. Cercada por um lamaçal, a piscina das provas de natação
ainda não tem água. O piso da pista de atletismo não foi instalado.
"Estes serão os jogos da modéstia", diz o presidente do
comitê organizador, José Joaquín Puello. O governo liberou no mês
passado uma verba extra para tentar terminar as obras, que custarão cerca
de 140 milhões de dólares, o triplo da previsão inicial.
No campo esportivo propriamente dito, também não se deve esperar grande
coisa deste Pan. Maurren Maggi, detentora da melhor marca mundial do salto
em distância neste ano, é favorita em sua especialidade. Pelo menos
outros 100 atletas brasileiros deverão trazer medalhas de Santo Domingo.
Mas praticamente todos disputando contra adversários inexpressivos. Já
foi assim da última vez, no Pan de Winnipeg, no Canadá, quando o Brasil
ganhou 101 medalhas e a torcida acreditou que aquele era um sinal de
sucesso nas Olimpíadas no ano seguinte. Poucos se esqueceram de que o
país só ganhou doze medalhas em Sydney. Nenhuma de ouro.
Enquanto os brasileiros fazem seu esforço inútil em Santo Domingo,
diante de atletas iniciantes, o verdadeiro time de basquete dos Estados
Unidos, com os astros da NBA, vai se manter em treinamento para a
eliminatória olímpica. Nem como treino usarão o Pan. No tênis, os dez
americanos mais bem colocados no ranking mundial optaram por jogar
torneios mais lucrativos. Do mesmo modo, as estrelas do atletismo
continuarão disputando o milionário circuito europeu, no qual ganham
mais dinheiro e enfrentam outros atletas de ponta. A natação dos Estados
Unidos também avisou que mandará seu time B para o Pan-Americano. O A
disputará o campeonato mundial, na Espanha, alguns dias antes.
Até alguns dos melhores atletas brasileiros vão esnobar o Pan. Entre
eles as integrantes da equipe feminina de vôlei, que estarão na Itália,
lutando pelo Grand Prix, uma competição que dá 1 milhão de dólares em
prêmios. A equipe juvenil de vôlei feminino representará o Brasil em
Santo Domingo. No futebol, quase que não se consegue nem isso. Foi
necessária a intervenção do ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, para
que a Confederação Brasileira de Futebol concordasse em enviar uma
seleção de juniores.
Para dar a real medida da desimportância do Pan, vale conferir o valor
pago pelas televisões para transmiti-lo. Enquanto os direitos das
Olimpíadas de 2012 acabam de ser vendidos à rede americana NBC por 1
bilhão de dólares, os da transmissão do Pan custaram apenas 4 milhões
de dólares à Organização da Televisão Ibero-Americana, que congrega
as emissoras latino-americanas. Tamanho desinteresse é um pepino para o
presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman,
organizador do próximo Pan, no Rio de Janeiro. Nuzman se esforça para
garantir que mais esportes tenham os resultados pan-americanos
considerados para os Jogos Olímpicos – hoje isso acontece com apenas
dez das 42 modalidades. "Queremos realizar o melhor Pan da história",
diz ele. "A falta de uma ou outra equipe é um problema que pode
atingir qualquer competição."