Impressões finais de um Pan-americano por Soren Lemche
Ter aceitado a função de locutor do
evento Boliche nos Jogos Pan-americanos a principio me pareceu ser uma
furada. Digo isso porque conheço meu “povo” e sei que por mais que se
esforce e por mais que se treine haverá furos. Aliado a isso, o meu
temperamento pessoal não é tão compatível com a função em si.
Tá bom, sou poliglota e isso já é alguma coisa. Porém, a natureza
passional e explosiva, rendeu um bocado durante os quatro dias de
confinamento no Barra Bowling. Eu havia esquecido que eu iria passar
quatro dias em liberdade condicional.
Explico melhor: a partir do momento em que iriam jogar o primeiro frame,
eu teria vinte minutos de descanso e a obrigatoriedade de estar de volta
ao “Controle” para anunciar a troca de pistas. Ao término das rodadas
teria que anunciar em quantos minutos o novo evento iria acontecer. O que
não sabia era que tinha que anunciar autoridades presentes e, por
contrato, não precisaria falar em castelhano.
Mas vamos voltar um pouco no tempo.
Quando fui contratado pela Produção de Esportes da CO-Rio ficou acertado
que selecionaria músicas para os intervalos e apenas decoraria um script
protocolar para tais eventos. Falaria apenas em inglês e português.
“Moleza”, pensei ...
Entre a minha contratação em março e dez dias antes do Pan, nada
aconteceu a não ser um ou dois e-mails. A minha chefia então me liga
informando que haveria um “Produtor de Eventos” me supervisionando e
dirigindo o espetáculo e que eu apenas me preocupasse com a música e as
locuções protocolares.
O Produtor se apresentou no Sul-americano de Clubes no Norte Bowling e
confessou que não conhecia nada de boliche. Assistiu algumas
partidas e de imediato sugeriu que se colocasse música entre uma jogada e
outra.
Pensei comigo mesmo que a missão seria bem mais difícil que havia
imaginado.
Passei uma manhã inteira explicando que o esporte Boliche é diferente de
Vôlei de Praia e que era para ele imaginar um torneio de Tiro ao Alvo
para comparar. Imaginem vocês ali no “approach” concentrados no pino
10 que teimou em ficar de pé, após uma bola encaixadaça, e no segundo
passo, no meio do backswing, o sistema de som em altos brados “We will
Rock You....”
Bem, os primeiros desacertos começaram ali.
Na semana anterior ao evento foi marcado um treino de Cerimônia de
entrega de Medalhas e. claro, marcaram o tal treino no Barra Bowling as 10
da manhã, junto com o treino da seleção brasileira de boliche. Imaginem
a cara do Chefe da Comissão técnica brasileira quando a gerente de cerimonial
pede para repetir pela terceira vez a cerimônia de medalhas! Sim, porque
a tropa que entra com bandeiras, bandejas e medalhas e flores, passa
imediatamente atrás do par de pistas do treino. Imaginem os atletas
treinando ao som alto das músicas de medalha de Bronze, Prata e Ouro, com
o locutor em voz alta anunciando ficticiamente o Ganhador do Individual
Masculino, da Jamaica; Sr. Bob Marley!
Mas, como o Diretor Técnico da Seleção estava visivelmente contrariado,
orientei a turma a terminar o treino o mais rápido possível. Acho que o
único momento onde fui atendido! Houve, também, concordância num outro
ponto, era inviável fazer locução sem a presença de um operador de
som.
Aliás, na entrevista da contratação haviam prometido um DJ. Chegamos
para o treino oficial e lá estava o tal DJ, com computadores e toca MD,
toca CDs e mesa de mixagem. Fiquei bem mais tranqüilo e o produtor de
eventos já queria passar dvd’s com shows de artistas brasileiros, nos
televisores e no telão. Mais uma batalha vencida e o produtor desistiu,
resignado.
O treino prosseguiu tranqüilo e aí veio mais uma surpresa inesperada,
era para anunciar as autoridades presentes. E mais, pediram para anunciar
em espanhol, já que noventa por cento, eram centros-americanos.
Iniciou-se um show de vaidades e todos com direito a pedir para que se
anunciasse qualquer coisa, por cima do balcão, fiquei igual ao marisco,
entre o mar e a rocha. Mais um pouco e eu anunciaria carro velho para
vender!
Claro, convoquei o Produtor de Esportes para dar um basta ou pelo menos
dar rumo certo naquela zona. Rapidamente concordamos que apenas os
Diretores de Evento da CO-Rio e o Diretor Desportivo do Torneio poderiam
me entregar papéis datilografados e assinados para anúncios pertinentes
ao evento. Em vão!
Para me distrair, durante a prática de locução, aqui em casa mesmo,
baixei aquela musiquinha horrorosa do Austin Powers, passei ele por um
editor de mp3 e calculei uns 40 segundos de clip para troca de pistas.
Claro era copiado de alguns eventos que eu tinha visto em outras transmissões
desportivas do Pan. Mas deu certo, porque enquanto tocava alto, ninguém
me incomodava ali. Eita musiquinha chata ! Quatro dias daquilo era
suficiente para odiar o Austin Powers para o resto da minha vida.
O primeiro dia transcorreu tranqüilo e o boliche estava á meia bomba,
mas sabia que o segundo dia seria punk, porque o Fabinho e o Rodrigo
tinham chances de medalhas.
Dito e feito, no segundo dia o Barra Bowling bombou. No final da terceira
linha casa cheia e varias autoridades presentes e anunciados.
Havia ainda sido programado a chegada do Cauê, o mascote do Pan. Primeiro
ele chegaria as 9 da manhã, e como eram 9 da manhã e eu já me preparava
para anunciar, o Produtor de Esportes calmamente me comunica que a tal
presença viria apenas as 14h.
Ficou difícil focar na missão de locutor e confesso que a voz quase não
sai na ultima mudança de pistas.
Última linha e o Brasil com chances claras de medalhas, na minha frente
jogava o Fábio e o Rodrigo nas pistas 9-10 e Porto Rico e República Dominicana
lá pelas pistas 13-14 e 15-16. Acompanhava-os pelo monitor do Lula e o
Brasil fazendo 400 pinos ficaria difícil os outros tirarem as merecidíssimas
medalhas do Brasil.
Fim de partida e Brasil é medalhista. A vontade era de colocar a
musiquinha do Airton Senna e a do Hino Nacional, mas Austin Powers era o
que estava engatilhado. E o protocolo proíbe o locutor de torcer.
Veio o Cauê e uma hora depois a final das duplas femininas. Dramático,
porque as meninas com uma linha espetacular, acho que foi a segunda, saíram
da cripta e se colocaram em posição de disputar medalhas. Mais emoção
e adrenalina. Infelizmente as mexicanas fizeram uma bela última linha e
passaram a frente, abiscoitando a medalha de bronze.
Está, ainda, sub judice.
O mérito será julgado, porém acho difícil. De qualquer maneira o
boliche brasileiro se saiu super bem, tão bem que no dia seguinte foi um
dia inacreditável, com o aparecimento do presidente do CO-Rio, o Nuzman,
do presidente da ODEPA, o Raña, e muitas outras autoridades. Toda hora
alguém pedia para anunciar alguma coisa e sinceramente eu já estava pra
lá de estressado.
A cerimônia de entrega de medalhas não ocorreu conforme o protocolo e
houve falhas minhas de locução. Houve falhas de protocolo por parte da
Produção de Esporte.
Graças a Deus poucos perceberam, porém a nossa chefia estava lá e viu
os erros. Sorte minha que meus erros foram perdoados, mesmo porque
reconheceram que o local que me foi dado para trabalhar era inadequado e o
tumulto era grande. Algo perto do caos total.
O terceiro dia de locução (seria o quarto dia se incluir o treino
oficial de domingo), foi tenso porque a Produção de Esportes chutou o
balde, durante o dia e queria que treinássemos a Cerimônia novamente.
Putzzz! Eu de saco cheio e doido para que acabasse o evento para voltar à
minha rotina diária, peguei meu material no fim do dia e me mandei.
Celular é bom porque quando a gente desliga ele, ninguém apurrinha mais!
O saldo do terceiro dia é que a locução virou balcão de achados e
perdidos de estação de trem. Chegou ao ponto de voluntários pedirem
para anunciar o nome da namorada que havia ido ao banheiro e não voltara
ainda! Atletas pedindo para entregar material extraviado! Havia tanto público
no Barra Bowling naquele dia, que a coisa saiu do controle. Crianças caçando
pins, arrancaram o fio do alto-falante e não pude anunciar o Djan
Madruga, a pedido do Presidente da CBBOL, o César.
Choviam papéis em cima das minhas anotações e a arbitra geral me
pedindo para anunciar pela enésima vez que o público não utilizasse
flash ao tirar fotos.
O Tuto Fernandes da República Dominicana me apresentou o Secretário
Nacional de Esportes deles e pede para que eu anuncie a presença deste.
Putzzz! Novamente vou procurar alguém que autorize a locução. Na próxima
mudança de pistas faço o anúncio e apressadamente me pedem para
anunciar a presença da medalhista de prata de Judô, uma menina de 15
anos. A Alicia Marcano me pede para anunciar “bola presa” na pista 13.
Deu vontade de chorar! Sai dali para não explodir.
O que a maioria não entende é que as locuções são processadas em 3
idiomas e a seqüência das frases não é igual nem o sentido!
Nós brasileiros temos o hábito de “facilitar” a nossa fala, o que
evidentemente dificulta a compreensão do que é falado, SEMPRE dando
margem é outras interpretações.
Locução desportiva é difícil e a gente morre de rir nas transmissões
de futebol quando o Galvão fala pra o Arnaldo César – Por trás faz
falta, né? Eu queria não errar, mas como havia errado, a luta agora era
para errar pouco!
Fim de evento e faltava apenas a cerimônia final de medalhas.
O Produtor de Esportes estava tenso porque nenhum de nós confiava um no
outro e a preocupação maior era o DJ que dava sinais evidentes de pré-surto.
Músicas engatilhadas e eu ainda não sabia quem iria entregar as
medalhas.
Em cima da hora, com a tropa entrando com as bandeiras e as medalhas me dão
o papel com os nomes de quem entregaria as medalhas, e quem entregaria as
flores. Mudaram a coisa toda em cima do “laço” e o difícil era agora
fazer a locução dos títulos daquelas autoridades. Faltou ar para
terminar o titulo da Sra. Jimena e gaguejei.
Apresentei a Aumi Guerra em espanhol, e esqueci de apresentar em português!
Poucos perceberam, e no final todos foram para casa felizes.
A direção do Barra Bowling promoveu uma festa fantástica para os
atletas, voluntários e Força de Trabalho.
O Presidente da PABCON, José Vandique entregou prêmios de reconhecimento
ao esforço e a dedicação ao evento, entre outros: Caco, Paulão,
Careca, Karla o Guto e eu fomos agraciados com esses reconhecimentos.
O pagodão e a champagne rolando solto, todos se divertindo com a sensação
de termos feito parte de um belo capitulo da história do Boliche
Brasileiro.