Sempre que possível, gosto de contar
histórias para minha filhinha dormir. Ela tem preferência por aquelas
que invento na hora, com gente conhecida fazendo os personagens do enredo.
Ela fica tão atenta à minha narração que o sono costuma vir à mim
antes dela. Às vezes, quando me atrapalho com a seqüência lógica da
história, ela sempre interfere perguntando o por que disso, o por que
daquilo.
Faz um bom tempo que tenho uma história inventada na minha cabeça que
desejo contar pra ela, mas estou preocupado com as falhas no roteiro e a
falta de lógica dos personagens principais.
Mesmo assim ...
Era uma vez um barco muito pequeno que navegava sem rumo por um rio
chamado Brasil. Esse barco foi construído por um grupo de barqueiros que
desejam conhecer todos os portos que haviam no rio Brasil.
(Pai, como era o nome desse barco?
- Hummm ... filha ... é Barcobol ... isso ... Barcobol)
Desde a primeira viagem do Barcobol, havia muita discussão e os vários
comandantes dele sempre tiveram dificuldades para concluir o roteiro
básico da navegação.
(Pai, se o Barcobol era pequeno, por que precisava de vários
comandantes?
- Hummm ...filha ... na verdade eles são um grupo de amigos ...
compartilharam muitas viagens e aventuras antes de construírem o barco
... e .. hummm ... decidiram fazer um rodízio no comando do barco ...
embora nem sempre se sabia quem realmente comandava o barco ... era assim
que faziam)
Em cada aportagem o Barcobol era remodelado. Trocavam peças, construíam
outros compartimentos e mudavam a cor da pintura. Novos passageiros
embarcavam, alguns queriam apenas ir de um porto ao outro, mas haviam os
que queriam ficar no Barcobol por muito mais tempo.
Quase sempre havia festa quando o Barcobol atracava nos portos rio abaixo.
Os moradores da região ficavam felizes e mostravam também os seus
barquinhos, bem mais simples e rudimentares.
Depois de algumas viagens, os comandantes decidiram que deveriam escolher
um uniforme para todos os que estavam no Barcobol, até mesmo os
passageiros.
(Pai, por que todos deveriam usar uniformes iguais?)
Essa idéia surgiu porque alguns desses comandantes, às vezes, viajavam
para outros países e viram que, nos barcos estrangeiros, todos usavam
vistosos uniformes, com botões dourados, gola engomada e galardões.
Diziam, também, que nessas viagens internacionais ficavam constrangidos
com a roupa comum que usavam, pois nunca eram fotografados nem procurados
pela imprensa. Assim, imaginavam que usando um vistoso uniforme teriam
algum destaque, pelo menos o suficiente para conseguirem as verbas
oficiais necessárias para pagar as custosas viagens internacionais.
A partir de então, a única preocupação dos comandantes do Barcobol era
o uniforme. Faziam várias reuniões, criavam planos mirabolantes,
contratavam estilistas e, até, compravam sofisticadas máquinas de corte
e costura.
Sempre que aportavam, faziam questão de desembarcarem com todos os
equipamentos para confecção dos uniformes. Às vezes era esquisito, até engraçado,
quando na vila de alguns portos não havia sequer a energia
elétrica para ligarem as máquinas. Mas isso não importava. Os
habitantes locais ficavam impressionados com os vistosos uniformes do
pessoal do Barcobol e também usavam idênticos. A bem da verdade, isso
acontecia apenas no primeiro dia do desembarque, porque logo no dia
seguinte todos já estavam reclamando do desconforto, do calor, das
dificuldade e incomodo para andar e trabalhar com aqueles vistosos
uniformes.
Assim que o Barcobol partia, os habitantes locais apressavam-se em
despir-se daqueles estranhos (mas vistosos) uniformes e logo estavam
vestindo os confortáveis calções e chinelos tão adequados para as
atividades prazerosas do dia-a-dia.
Desde o início da sua construção, o Barcobol apresentava sérios
problemas estruturais, ocasionados, basicamente, por falta de planejamento
e desencontro de idéias dos construtores. Os vazamentos eram constantes,
mas isso não preocupava os comandantes, uma vez que a única
preocupação deles era com os uniformes e a formação dos grupos que
iriam viajar para os portos estrangeiros.
(Pai ... e se o Barcobol afundar?)
Com o passar do tempo, vários portos foram sendo desativados por
problemas financeiros e, assim, cada vez menos haviam portos para servir
de atracadouro para o Barcobol.
Os passageiros do Barcobol também diminuíam a cada atracagem. Alguns
deles até achavam que já tinha conhecimento suficiente para construir seu próprio
Barcobol.
(Pai ... como termina essa história?
Não sei, filha ... o Barcobol continua afundando e os comandantes ainda
discutem sobre o modelito do uniforme ... Caramba! Por que fui inventar
essa história? Agora quem perdeu o sono fui eu ...)
Bira
Teodoro