Sou bolicheiro. Esporte que pode ser
praticado por pessoas desde os dez anos até muitas primaveras. Ao chegarmos num certo
ponto do período de aprendizagem, algum observador experiente nos encoraja induzindo à
inscrição em algum clube ou equipe, para participar de uma liga ou torneio de boliche.
Se a febre do boliche nos pega é difícil tirá-la da gente.
Participamos de todos os torneios e campeonatos, desafiamos a quem primeiro se apresenta.
Jogamos e mesmo quando não ganhamos os adversários sempre comentam: "você vai
muito bem", "está evoluindo", etc, o que nos anima a continuar competindo.
Quando eventualmente fazemos uma partida de mais de 200 ou ganhamos de
nossos mestres (o que todos nós no boliche pretendemos ser), a proeza é sabida por todos
e durante a semana inteira passamos contando e comentando com os amigos.
Durante o aprendizado encontramos os mais diferentes jogadores de
boliche, cada um com seu estilo, desde aqueles que atentam contra as Leis da Física no
lançamento, testando a todo momento a resistência máxima do equipamento dada a força
tremenda com que lançam a bola, até os mais técnicos e experientes. O fato é que
sempre aprendemos algo com cada um deles e acabamos por desenvolver nosso próprio estilo.
Participei dos torneios do meu clube, de interclubes, dos regionais e,
por último o torneio eliminatório para formar a seleção que representaria o nosso
Estado . Passei.
Nas quatro semanas anteriores à viagem da nossa delegação para São
Paulo, diariamente fazíamos terapia de grupo, forte treinamento e até ... ginástica,
já que "assim parece que fazem os jogadores orientais".
Faltou muito pouco para que eu saísse arrebentado, pois com meus 84 Kg
de peso e minha vida sedentária ficava muito limitado no rendimento da ginástica. Todo
esse trabalho físico de trote, flexões e corridas foi por demais exagerado,
principalmente no dia anterior à nossa viagem.
Cheguei em casa quase morto para fazer as malas. Porém antes de cair
em sono profundo, fiz a promessa de dar tudo de mim, deixar bem no alto as cores do meu
clube e representar condignamente o meu Estado.
Tudo foi rápido demais. Às 7h da manhã saiu o avião para São Paulo
e à tarde começou o torneio. A luta foi titânica, pois lá estavam os melhores
jogadores do país. Nossa delegação com seu lindo uniforme branco. Os jogadores unidos e
animados, lutando e pelejando pelo primeiro lugar de equipes e "all events". Era
só emoção ...
Consegui classificar-me em sexto lugar no individual. Foi uma festa,
afinal isso significava a minha convocação para representar o nosso país no Campeonato
Mundial.
Incrível !!! Interiorano nascido numa pequena cidade fronteiriça,
residente há pouco tempo na capital do Estado, praticamente iniciante nesta atividade
esportiva, havia conseguido uma vaga para disputar o evento máximo do boliche: O
Campeonato Mundial da FIQ.
Duas semanas depois estávamos viajando para Caracas onde nos
hospedamos junto com as outras delegações oriundas de 56 países. Durante o campeonato
conheci os outros participantes: os asiáticos, introvertidos, sérios, madrugavam para
fazer ginástica; os europeus, concentrados e sempre corrigindo seus erros; os
norte-americanos, mais profissionais e com gestos de superioridade sobre os demais; os
latino-americanos, como nós, esperançosos de atingir uma boa colocação e representar
bem os países de origem.
No primeiro dia jogamos a fase de quintetos e ficamos em 10.º lugar.
No dia seguinte foi a fase individual. Após o sorteio fiquei num par
de pistas com um japonês, um espanhol e um norte-americano. Puxa ... até meus óculos
tremiam ...
Iniciamos a primeira partida. Meu primeiro lançamento ... seta 3 ... e
... Zás ! STRIKE ! Bom, pensei, embora o strike não tenha sido muito bonito, pelo menos
mostrei para as "feras" que não era tão subdesenvolvido no boliche. Segundo
lançamento: liguei outro strike e tranquilizei-me: " ... vamos gorducho ! Desse
jeito poderá passar fácil dos 150 pontos ... ". Terceiro, quarto e quinto
lançamentos também foram strikes.
Minha bola estava trabalhando muito bem e sua bela rotação fazia-me
vê-la flutuando na pista. Os companheiros de pista observavam incrédulos. Minhas mãos
suavam e uma forte angústia apossou-se de mim ... uma tensão tremenda. A multidão
começou a olhar-me com expectativa.
Quando saí para o sexto lançamento, corri muito e saquei muito forte.
A bola não teve arremate e bateu na frente do pino 1, levei as mãos à cabeça, depois
tapei os ouvidos. Vi o split 7-10. O pino 10 movia-se pendularmente e ... pumba ! Caiu. O
pino 7 estava firme no lugar, porém o pino 5 girava e girava cada vez mais lentamente e
com menos força até que ... PIF !, atendendo às minhas preces, tocou de leve no pino 7
e ... STRIKE !
Minha tensão ia aumentando. Atrás de mim ouvi um grito: "Viva o
Brasil!". Era o nosso experimentado e vacinado companheiro, o Zé Canivete da nossa
capital da República. Ainda bem que alguém vinha acompanhar-me e dar um alento para
ajudar a aliviar o meu nervosismo.
O sétimo, oitavo e nono lançamentos nem lembro como fiz. O certo é
que o monitor mostrava sempre aquele belo X vermelho, símbolo inequívoco do strike.
O boliche ficou completamente parado. Todos os olhares estavam fixos em
mim e na minha pontuação. Não se ouvia uma mosca nas imensas instalações onde ocorria
o evento. Meu pulso estava na aceleração máxima. Alguém gritou: "Ninguém ainda
bateu 300 num mundial !". Isso aumentou o medo e a angústia. Faltavam três
lançamentos.
Saí para o décimo e a bola foi perfeita no 1-3 e... SPLIT !. Houve
gritos e apreensão. Fiquei desconcertado, porém alguém ciclou a máquina, era o juiz de
zona. Falou-me que ao iniciar o lançamento nosso delegado havia avisado aos juízes que
estava faltando o pino 5.
Voltei a repetir o lançamento e ... STRIKE ! No décimo-primeiro
lançamento outro strike. Faltava o último. Todo o meu corpo tremia e suava. Respirei
profundamente e, em meio a um sepulcral silêncio, iniciei a caminha para o derradeiro
lançamento. A bola saiu da minha mão como uma luva, o braço levantado elegantemente e a
bola graciosamente girando em sua trajetória pela pista ... 1-3 ... STRIKE !
300 pinos. Jogo perfeito. O público atroava de tanto barulho.
Sentia-me como se estivesse flutuando no outro mundo. Fui levantado e empurrado. Tudo
movia-se ao meu redor e nessa alegria, apertões, abraços e empurrões, caí e sofri um
forte golpe na cabeça. Prontamente, vejo minha mulher ao meu lado que suavemente fazia
carícias e me acordava ...
Neste instante compreendi tudo. Tinha caído da cama acordando desse
lindo sonho. "Desmaiei" na cama, cansado pelo excesso de exercícios físicos do
dia anterior. Já eram 9h30 da manhã. O avião para Caracas tinha saído às 8h e
deixaram-me para trás em conseqüência do meu atraso. Fui substituído por outro jogador
que apresentou-se à tempo.
Conclusão: fiquei fora de minha primeira seleção nacional a qual tinha
direito, após tanto treinamento e esforço para conseguir a classificação. Ainda por
cima, fiquei com um tremendo "galo" na cabeça.
Por isto é que:
1 - Não faço mais ginástica;
2 - Não participo de outra eliminatória;
3 - Daqui em diante vou dedicar-me tão somente a ser treinador e "cartola" do
nosso esporte.